sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O jogo da vida real

Em um dos períodos mais antidemocráticos da história da Argentina, Kamchatka transforma as consequências de uma ditadura rígida em uma história personal e até inocente

O território de Kamchatka, península pertencente à Rússia, não foi colocado na versão brasileiro do Banco Imobiliário, jogo de tabuleiro que fez e ainda faz parte da diversão de muita gente. E é justamente Kamchatka que dá nome ao filme argentino (2003) do diretor Marcelo Pineyro, e estrelado pelo renomado ator argentino, Ricardo Darín.
Foto: Divulgação



A  trama gira em torno do garoto Harry (Matías Del Pozo), de 10 anos, que tem uma vida feliz na cidade. No entanto, são tempos de ditadura argentina (1976-1983) e seus pais são considerados "subversivos", e assim eles são obrigados a mudar os nomes e viverem em uma fazenda, distante da metrópole.

As únicas diversões de Harry são a leitura de um livro de um mágico (escapista, segundo o menino) e jogar Banco Imobiliário com o pai, David (Ricardo Darín). Aqui se faz presente a analogia entre o título do filme e o jogo; Kamchatka é o único território que, se você perder todos os outros, pode se defender por várias rodadas e sobreviver; a fazenda onde Harry vive com os pais e o irmão mais novo tem esse mesmo poder diante do regime militar.

A trama ganha fôlego com a chegada de Lucas (Tomás Fronzi) à casa, um jovem contrário ao regime que se abriga na fazenda. Entre a nova escola e as brincadeiras com o irmão caçula, Lucas e Harry criam uma certa cumplicidade, o que é interrompido pela força do regime, que obriga Lucas a fugir, e posteriormente os pais do menino, sendo que ele termina o filme indo morar com os avós.

Drama pessoal em meio ao drama político

Ricardo Darín já havia feito longas com uma temática política, como El Mismo Amor, La Misma LLuvia (1999), Kamchatka usa uma das ditaduras mais sangrentas do século XX apenas como base para o desenvolvimento da trama de Harry. A personagem claramente se divide entre as brincadeiras de pré-adolescência, como as mágicas de Houdini, autor do livro, e a realidade difícil que vive; ele não pode atender o telefone nem ser registrado na nova escola.

O mérito de Kamchatka é transformar uma atmosfera tensa politicamente em um drama bem amarrado, com a personagem principal tendo um desenvolvimento quase natural de amadurecimento, diante das circunstâncias adversas. Se é possível Ricardo Darin ser coadjuvante em algum filme, neste o papel descentralizado tem um contexto importante; funciona como uma ponte entre o que está "lá fora", o país sob ditadura, e a rotina da casa.

Vale a pena ver porque....

É um roteiro bem construído, e não repousa apenas no sofrimento por causa do regime, e introduz um contexto mais humanizado. Tem boas atuações e até uma cena em que a família dança ao som de "Eu Sou Terrível", de Roberto Carlos. Vale também por tudo o que foi dito nos parágrafos acima.

Na Netflix, caso você tenha uma conta, está disponível, com áudio original e legenda em português.

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